Adoções de animais de estimação aumentam mais de 50% durante a pandemia
Isolamento social e aumento da solidão são um dos motivos de ampliação da procura
Desde o início da pandemia do novo Coronavírus que atingiu o país no ano passado, as pessoas foram obrigadas a ficar longe de seus amigos e de seus familiares. O isolamento social era — e ainda é — a principal forma de barrar a transmissão do vírus e deixar a população mais segura. Com essas medidas de distanciamento, a sensação de solidão pela falta de companhia se fez cada vez mais presente no cotidiano de vários brasileiros, fazendo com que as adoções de animais de estimação aumentassem consideravelmente no ano de 2020.
Segundo o Instituto Adote um Miau, a intenção de adoções durante o período de isolamento social aumentou em 50%. Com isso, mesmo que ONGs e associações vejam um cenário positivo com esse crescimento, eles também sabem que a pandemia não vai durar para sempre e que esse número pode cair novamente quando isso acontecer.
Os estados do Espírito Santo e do Paraná chegaram a doar cerca de 10 cães somente em uma semana durante os primeiros meses da quarentena, quando antes não chegava nem na metade disso. Os gráficos 1 e 2 mostram esse aumento no estado do Paraná.
Figura 2 — Número de cães e gatos adotados de janeiro a junho de 2020 no Centro de Referência para Animais em Situação de Risco (Crar) de Curitiba, PR
Os dados do Centro de Referência para Animais em Situação de Risco (CRAR), mostram o aumento expressivo no número de adoções principalmente nos primeiros dois meses de 2020, em relação aos últimos meses de 2019, justamente quando iniciou o isolamento social no Brasil. Sendo assim, é possível perceber que a pandemia levou muitas pessoas a adotarem um animal de estimação, principalmente cães e gatos que são os mais populares.
Além disso, a psicóloga Débora Oliveira, professora do curso de psicologia da PUCRS, aponta que a companhia de um pet em casa contribui bastante para diminuir os níveis de estresse, que ficam ainda mais elevados durante o período caótico que o mundo se encontra.
“A maioria das pesquisas encontradas indicam que os animais de estimação estão associados a diversos benefícios para a saúde mental dos seus tutores, entre eles, o papel protetivo contra os sintomas de depressão, solidão e estresse, maior satisfação com a vida e autoestima. Considerando que o isolamento social é um fator de risco para a saúde mental, as amizades e o suporte social gerados pelo convívio com animal de estimação atuam como fator protetivo contra a solidão”, avalia a psicóloga.
Thaynan Schroder, 22 anos, estudante de jornalismo na UFRGS foi uma dessas pessoas que adotou um cachorro durante a pandemia. Ele adotou o Bob no segundo mês de quarentena para ter outra coisa em que pensar no meio de tantas notícias negativas.
“Como adotei o Bob bem filhotinho, ele crescia muito rápido, eu tirava muitas fotos e a gente conseguia acompanhar o crescimento dele toda a semana. Acho que esse foi um dos principais benefícios de ter adotado ele sabe, ter alguma outra coisa para pensar, porque como eu nunca tinha tido nenhum outro pet em casa era tudo muito novo, tive que descobrir do que ele gostava, o que ele comia. Então, isso foi muito bom para desopilar de tantas notícias ruins”, explica Thaynan.
Mercado pet no Brasil
O faturamento de varejo do setor pet no mundo foi de, aproximadamente, US$131,1 bilhões em 2019, segundo dados do Euromonitor, e a estimativa de 2020 foi de US$135 bilhões. O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking mundial desse mercado, com faturamento de 6,4%, ultrapassando o Reino Unido e ficando atrás somente dos Estados Unidos, que lidera com 50% de atuação, e da China com 7,2%.
O mercado pet foi o único que não teve queda durante a pandemia no Brasil. O país encerrou o ano de 2020 com um faturamento de, aproximadamente, R$40,8 bilhões, 13,5% a mais que o ano anterior. Segundo o Instituto Pet Brasil, que fez uma projeção baseada nos dados de mercado, a quantia é 6,88% maior do que a projetada nos primeiros seis meses de 2020. A pandemia deu um impulso maior para o crescimento desse setor por fortalecer ainda mais a relação entre humanos e animais e, também, a humanização desses pets, o que aumentou a busca por produtos como ração e itens de higiene, além de serviços como banho, tosa e consultas veterinárias. Dessa maneira, as empresas que dominam esse setor de mercado são as de pequeno porte, que somam 90% entre as médias e pequenas. As grandes redes somam os 10% restantes, mas também têm um crescimento acentuado. Em um país com mais adoções de animais do que crianças nascendo, a expectativa é que, até 2025, o mercado pet brasileiro tenha uma expansão de 42,7%, segundo o Euromonitor.
Em 2019, cerca de 252 mil estabelecimentos atuaram nesse setor. Os principais são: pontos de venda como pet shops, consultórios e clínicas veterinárias, agrolojas, varejo de alimentos e criadores, segundo os números do Instituto Pet Brasil. Dentro de cada segmento existe o market share, que são lojas como pet food — que lideram com 50% — venda de animais direto de criadores e pet vet, as quais possuem os maiores números desse mercado.
Assim, os números desses segmentos tendem a aumentar mais ainda ao longo dos anos, pois a população de pet no Brasil só cresce. Em 2018, a população era de 139,3 milhões, no ano seguinte esse número subiu para 141,6 milhões, com alta em bichos de estimação como cães, gatos, aves e peixes. Mariana Pacheco, voluntária na ONG ResGatinhos, de Porto Alegre, que faz o resgate, reabilitação e adoção de gatos abandonados, explica como o aumento das adoções contribuiu para a explosão dos números de mercado:
“O mercado pet já é um setor que tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Como as pessoas estão dispondo de mais tempo em casa e podem dar mais atenção aos bichinhos, o número de adoções imediatamente subiu e isso tem um reflexo automático no setor pet, que acabou não sendo afetado como os demais por conta disso.”
Além disso, houve um aumento nos gastos dos brasileiros com animais de estimação durante o ano de 2020, segundo um levantamento da plataforma financeira Guiabolso, que mostrou um crescimento de 10% nas despesas das pessoas nessa categoria desde o começo do isolamento social. Outro ponto favorável para esse setor é que agrolojas e pet shops foram considerados serviços essenciais durante todo o primeiro ano de pandemia, de maneira que esses estabelecimentos puderam ficar abertos até nas fases mais restritivas da quarentena.
Segundo o IBGE, cães e gatos estão presentes em quase 48 milhões dos domicílios brasileiros, são 54 milhões de cachorros e quase 30 milhões de gatos, das mais variadas raças. Com isso, o Brasil conta com 84 milhões de animais de estimação, ficando atrás, novamente, dos Estados Unidos que tem mais de 135 milhões de pets. “Especialmente em tempos de isolamento social, a relação e o convívio dos seres humanos com os animais tem sido cada vez mais presente nas famílias da contemporaneidade. Faz importante cada vez mais legitimar as famílias multiespécies como uma nova configuração familiar. Isso se deve ao fato de que o Brasil tem uma das maiores populações de pets do mundo com mais de 84 milhões de pets nas famílias”, afirma a psicóloga Débora Oliveira.
Animais de estimação e empresas do setor no RS
A região Sul concentra mais de 17% dos pets do país, segundo dados do Instituto Pet Brasil de 2020. O estado do Rio Grande do Sul é o que tem o maior número de animais de estimação da região, com 7,2% da população pet brasileira em 2020, ficando atrás somente do estado de São Paulo. Já em 2018, o instituto divulgou que a região Sudeste concentrava quase 50% dos pets do Brasil, em seguida vinha a região Nordeste com 21,4%, a região Centro-Oeste com 7,2% e a região Norte com 6,3%. Não há dados atualizados das outras regiões no ano de 2020.
Além disso, o Pet Brasil também mostra que os estados da região Sul concentram cerca de 6,6 mil estabelecimentos que vendem ração ou produtos para pets. O Rio Grande do Sul lidera entre os estados com 2,4 mil lojas que comercializam comida e acessórios para animais, além de 250 clínicas com atendimento especializado para animais de estimação, que atendem aproximadamente 4 milhões de cães, 1,7 milhão de gatos e 3,9 milhões de peixes e aves ornamentais.
A Águia Veterinária, empresa fundada em Porto Alegre em 1999, aposta no pioneirismo e no fato de ser uma empresa local para se manter no meio de tantas concorrências e ainda abrir uma sétima unidade durante a pandemia. “Fidelizamos os clientes pelo atendimento familiar, de proximidade, e atraímos a juventude com produtos inovadores e com estilo. Os últimos anos foram mais difíceis, o mercado pet cresceu, mas a concorrência mais ainda”, relata Antônio Rodrigo de Aguiar Pires, sócio-fundador da Águia Veterinária em uma entrevista para o Jornal do Comércio.
De acordo com a arrecadação de ICMS das lojas do setor pet do Estado, seja pet shops, agrolojas, salões de beleza para animais ou consultórios veterinários, houve um crescimento considerável na arrecadação entre os anos de 2015 e 2020. No ano de 2020, ocorreu um maior número de arrecadamentos, sendo R$34 milhões a mais que o ano anterior. Além disso, um levantamento feito nos alvarás dos estabelecimentos de Porto Alegre mostra que a maior concentração de lojas do mercado pet ficam localizadas no centro da cidade, onde o fluxo e circulação de pessoas é maior e, consequentemente, há mais procura por esses espaços.
Esse aumento dos números de arrecadações de ICMS pelas empresas do setor pet demonstram que cada vez mais as pessoas vêm procurando esses lugares. Não é por acaso que 86,6% da população brasileira consideram os pets um membro da família e 57,7% consideram o pet como um filho, as pessoas encontraram nos animais de estimação um conforto nesses dias tão difíceis que o país vem enfrentando desde o início da pandemia.
O convívio com os bichos em casa traz mudanças psicológicas importantes para os membros familiares, provocando um impacto positivo na saúde mental de seus tutores e melhorando seu bem estar. Thaynan também reforçou esse afeto que um animal de estimação traz para as relações familiares. “Ter a companhia do Bob foi muito gratificante. E não só gratificante por ter um pet, mas sim por mostrar esse afeto né, distribuir um pouco mais de afeto. Ter mais alguém em casa ajudou muito eu e minha família, para poder ter outra coisa em que pensar além da pandemia acontecendo”.
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